02/04/2020
Após o surgimento dos primeiros casos de contaminação pelo novo “coronavírus” (COVID-19) em Wuhan, China, no final de 2019, o novo coronavírus vem se espalhando por todo o mundo. O número de casos de pessoas contaminadas aumentou exponencialmente, com mais de 200 países afetados até o momento, num total de 887.067 casos confirmados. Devido à sua escalada pelo mundo, em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) caracterizou oficialmente o novo coronavírus como uma pandemia global, elevando a emergência de saúde ao seu nível mais alto e acarretando consequências em diversos setores da economia.
O surto do novo coronavírus já teve impacto em muitas empresas e as medidas adotadas pelos governos para conter o aumento dos casos novos estão agravando os desafios que essas empresas estão enfrentando.
Devido às medidas de precaução da difusão do vírus, setores da economia estão tendo de paralisar suas atividades, isso está causando disrupção nos negócios, desde o descumprimento de entregas até o cancelamento de eventos.
Esse surto pode ser compreendido como um fator incidente não somente em relações comerciais entre empresas, mas também em relações civis, entre pessoas físicas, entre estes e empresas, entre pessoas físicas e jurídicas com o Poder Público, enfim, sua abrangência é ampla
Com o agravamento da pandemia, cujas consequências ultrapassam, e muito, o aspecto da saúde, inúmeras partes se mobilizam e notificam os seus parceiros a respeito da impossibilidade de cumprimento dos contratos firmados, calçadas no instituto da força maior. Afinal, essas partes têm o direito de fazê-lo?
O artigo 393 do Código Civil prevê que o devedor não responderá pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado e, o parágrafo único estabelece que este instituto somente é aplicável se os efeitos dele decorrentes forem imprevisíveis e inevitáveis.
A doutrina, prática contratual e jurisprudência, classificam força maior como um evento ou circunstância excepcional que está além do controle dos contratantes, os mesmos não teriam condições de antevê-lo ou para ele se preparado, e sua ocorrência não é atribuível a nenhum dos contratantes.
A legislação brasileira diz respeito em caso de eventos assim, imprevisíveis, que levam à inoperância das atividades em vários setores. Prevê a prerrogativa da parte justificar o não cumprimento de uma obrigação em caso de força maior. Desta forma, a parte que não cumprir a obrigação por motivo de força maior, não responde pelos prejuízos resultantes. Como dito a força maior se verifica no acontecimento se a parte provar que o efeito era impossível de evitar ou impedir, desde que também prove que agiu com prudência e que, ainda assim, não era possível evitar o dano.
Em 2010, na época da epidemia H1N1, houve entendimento dos tribunais brasileiros de que o evento se inseriu de força maior, nos termos na legislação brasileira.
Uma consequência de ter a força maior prevista no Código Civil é que o governo brasileiro pode determinar que um evento constitua força maior, sem depender de cláusula contratual, como o governo Chinês fez em resposta ao Covid-2019, emitindo um certificado de Força Maior.
Contudo, se o impedimento, embora real, for apenas temporário, o cumprimento da obrigação deverá, a princípio, ser suspenso, salvo se o atraso dele resultante justificar a rescisão. Se o impedimento for definitivo, o contrato, em regra, deverá ser rescindido, restabelecendo-se, sempre que possível, o status quo ante.
Há contratos em que as partes já preveem os fatos que se moldam (ou não) como de força maior, chegando a quase renunciar ao direito de exoneração do cumprimento de determinada obrigação, assumindo voluntária e inteiramente os riscos, o que igualmente deve ser analisado.
Ainda, há de se atentar para a data da celebração do contrato, pois, se firmado no início de 2020, é provável que a pandemia não seja considerada um caso de força maior, pois o requisito da imprevisibilidade não estaria suprido.
Não menos importante é analisar se, mesmo diante de possível previsibilidade, a execução deste contrato não se tornaria excessivamente onerosa para uma das partes, gerando um forte desequilíbrio contratual. Nesse caso, o devedor poderia se valer do contido no artigo 478 do Código Civil, que determina que, nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.
Evidente que, afora as previsões legais, deve-se ter em mente que, em circunstâncias excepcionalíssimas como esta, há uma tendência das partes buscarem minimizar seus prejuízos, partindo da premissa de que o seu problema é maior do que o do outro, mas, em tempos de crise, há de se ter bom senso.
Pela leitura da jurisprudência existente, é possível acolher a pandemia do coronavírus como um fato imprevisível. Mas com prudência, é preciso demonstrar a relação de causa e efeito que tem a impossibilidade de cumprir com a obrigação com as medidas tomadas para combater o Covid-19.
Em caso dos contratos, se for devidamente comprovada a relação causa e efeito entre a suspensão da execução dos serviços e entrega de bens e a suspensão das atividades, poderá a parte alegar a força maior como excludente de responsabilidade. O caos causado pelo coronavírus, pode ser considerado evento que cria a impossibilidade de se cumprir com a obrigação, cuja impossibilidade não pode ser atribuída à vontade dos fornecedores de bens e serviços.
Ainda que a lei brasileira preveja a inexecução do contrato, para que a parte haja com prudência e para evitar o risco de judicialização, quem não puder cumprir com sua obrigação, recomenda-se efetuar uma notificação imediata, com a justificativa da força maior.
Frisa-se que, mesmo no âmbito daqueles contratos cujas prestações sejam economicamente afetadas pelas restrições a todos impostas neste momento, antes de qualquer pleito revisional deve-se recorrer à boa-fé objetiva e ao dever de renegociar. Soluções alternativas podem e devem ser encontradas pelos próprios contratantes para preservar o cumprimento de seus contratos, tanto mais na situação que estamos vivendo, em que o Poder Judiciário, em funcionamento restrito, deve ser acionado apenas para situações realmente urgentes. Extinção de vínculos contratuais e revisão judicial de contratos são remédios extremos que as partes têm o dever de evitar sempre que possível, diante do imperativo de mútua cooperação e lealdade que deriva do artigo 422 do Código Civil e do princípio constitucional da solidariedade social.
Aqueles que, já instaurada a pandemia, continuam com suas atividades e firmarem novas obrigações e, ainda, houver um risco real de a obrigação não puder ser cumprida em decorrência da pandemia, a mais sensata opção pode ser expressamente prever no contrato a cláusula de Força Maior. Prever expressamente esta possibilidade pode dar maior segurança jurídica aos contratantes e estes, ainda, podem prever quais remédios podem ser tomados em caso de descumprimento, podendo as partes optar pela suspensão do contrato ou poderão estas preferir desistir do negócio e encerrar as obrigações.
No que tange aos contratos de consumo, não podemos descartar a hipótese de prevalência de entendimento jurisdicional pela aplicação da força maior somente em benefício do consumidor e, considere-se que, apesar dos impactos causados pela COVID-19, o fornecedor tinha a obrigação de cumprir as obrigações assumidas na forma do contrato. Entretanto, é preciso pontuar que os tribunais pátrios nunca enfrentaram questões como as que se apresentam nesse momento em que a COVID-19 está impondo prejuízos a todos os fornecedores de bens e serviços dado o avanço da doença e o alto índice de contágio.
Apesar do código consumerista silenciar sobre o tema, entendemos que é possível socorrer-se do Código Civil e dos princípios gerais de Direito, garantindo também ao fornecedor a proteção dos seus direitos e de seus negócios.
É preciso atentar que nem mesmo um acontecimento gravíssimo como uma pandemia mundial podem, de forma generalizada, declarar que de agora em diante ficam todos desobrigados do cumprimento das obrigações contratuais assumidas ou que os contratos podem ser extintos ou obrigatoriamente revistos. É preciso ter muito cuidado com direcionamentos dessa natureza, especialmente aquelas que podem ser invocadas para embasar o descumprimento de contratos e obrigações deles decorrentes em meio a um cenário de crise.
Deve-se preservar a boa-fé contratual bem como o dever de renegociar à luz daquilo que de fato afeta a relação obrigacional estabelecida, não devendo o evento e o caos econômico que se insurge serem fatores que apenas tornaram o contrato firmado desinteressante do ponto de vista negocial.
Mesmo nos casos em que os contratos sejam economicamente afetados, é importante pensar em soluções alternativas para que sejam preservados as relações jurídicas estabelecidas e o cumprimento das obrigações, de modo que haja uma verdadeira solidariedade social, zelando pela cooperação mútua e lealdade entre as partes.
Por fim, ressaltamos que o Coronavírus é uma pandemia que causa comoção mundial. Apesar de todos estarem preocupados com suas obrigações, e com o risco de demandas judiciais que postulem indenizações, é perfeitamente oportuno lembrar que em estando o mundo num estado assim, em que a paralisação das atividades está fora do nosso controle, deverá haver prudente tolerância de todas as partes.
Lucas Quintana – OAB/MS 18.216
Advogado Associado – RZA Advocacia
Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela Escola do Ministério Público/MS
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